27 de março de 2014

Aborto: o começo do fim

Os livros que compõem a Política, de Aristóteles (384–322 a.n.e.), um dos pilares da filosofia ocidental, discutem assuntos diversos: sociedade, educação, tipos de governo e interesses coletivos, como o crescimento excessivo da população. Sobre isso, o filósofo grego escreveu que "se deve fixar o número máximo de procriações e, se alguns casais forem férteis para além do limite, é necessário recorrer ao aborto". Décadas antes, Hipócrates (460–377 a.n.e.), preocupado com o risco de morte das mulheres, no célebre Juramento (declarado até hoje por médicos formandos), disse: “Nunca sugerirei a nenhuma mulher prescrições que a possam fazer abortar”. Em Roma, o poeta Ovídio (43 a.C–17 a.n.e.) carregava com tintas morais suas obras que tratavam do assunto: “Se Vênus, grávida, tivesse maltratado Enéias no útero, a terra teria ficado sem os Césares”.

Enquanto a questão era discutida, as pessoas não esperavam a conclusão que até hoje não veio. Abortavam e seguiam com a vida.

Plínio, o Velho (23–79 a.n.e.), que julgava o aborto um desvio feminino que torna o ser humano inferior às bestas, listou em A História Natural diversas plantas abortivas. Por exemplo, o poejo, popular ainda em 1993. Chá de poejo, ou "Pennyroyal Tea", é o título de uma música do Nirvana que fala de aborto. Desde a Pré-História, o homem tenta controlar o nascimento, mas o modo como encaramos o aborto mudou bastante ao longo dos séculos. Não era punido pela lei na sociedade grega, mas foi muito discutido por filósofos como peça-chave da pergunta que não quer calar há mais de dois mil anos: quando começa a vida?

Naquela época, a gravidez só era confirmada ao primeiro movimento do bebê no útero. Aristóteles dizia que o aborto para fins de controle populacional deveria ser realizado antes do surgimento da alma, e que era necessário para evitar o abandono de crianças, corriqueiro na Grécia.

Abandonar, vender ou matar filhos inesperados era a solução para controlar o tamanho da família romana. Sorano de Éfeso, no século II, defendia o aborto em caso de perigo à saúde da mãe, mas apenas prostitutas e mulheres livres do poder masculino eram independentes para abortar. Interromper a gravidez sem o consentimento do marido e privá-lo de um herdeiro era motivo de separação ou até de pena capital (depois do parto, para salvar o bebê). Os homens se opunham ao aborto porque ele feria o interesse masculino. No século II, foi criminalizado, punido com o exílio.

O cristianismo, na Idade Média, mudou alguns aspectos na vida, mas não todos. "As insistentes condenações do aborto e da contracepção por parte do clero podem indicar a continuação dessas práticas", escreveu o historiador canadense Angus McLaren em História da Contracepção. A Igreja fez do sexo um símbolo de moralidade. Mas Santo Agostinho (354-430) não considerava o aborto um assassinato, e sim uma perversão. Ele sustentava o pensamento aristotélico do início da vida no 40º dia a partir do primeiro sinal perceptível do bebê, no caso de meninos, e no 80º, nas meninas. 

Esse conceito só seria derrubado no século XIX. A influência da Igreja acaba provocando mudança de foco: não mais o homem e sim o feto devia ser protegido. No século XIII, leis canônicas e civis fortaleceram a distinção entre feto com alma e sem alma, entre um homicídio e um crime menor. Mas, nesse debate entre Igreja e legisladores reais sobre o início da vida, faltava a ciência. A descoberta do óvulo, em 1827, transformou a ideia da concepção: agora, a vida começava na fecundação.

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