Os livros que compõem a Política, de Aristóteles (384–322 a.n.e.),
um dos pilares da filosofia ocidental, discutem assuntos diversos: sociedade,
educação, tipos de governo e interesses coletivos, como o crescimento excessivo
da população. Sobre isso, o filósofo grego escreveu que "se deve fixar o número máximo de procriações
e, se alguns casais forem férteis para além do limite, é necessário recorrer ao
aborto". Décadas antes, Hipócrates (460–377 a.n.e.), preocupado com o
risco de morte das mulheres, no célebre Juramento (declarado até hoje por
médicos formandos), disse: “Nunca
sugerirei a nenhuma mulher prescrições que a possam fazer abortar”. Em
Roma, o poeta Ovídio (43 a.C–17 a.n.e.) carregava com tintas morais suas obras
que tratavam do assunto: “Se Vênus, grávida,
tivesse maltratado Enéias no útero, a terra teria ficado sem os Césares”.
Enquanto a questão era discutida,
as pessoas não esperavam a conclusão que até hoje não veio. Abortavam e seguiam
com a vida.
Plínio, o Velho (23–79 a.n.e.),
que julgava o aborto um desvio feminino que torna o ser humano inferior às
bestas, listou em A História Natural diversas plantas abortivas. Por exemplo, o
poejo, popular ainda em 1993. Chá de poejo, ou "Pennyroyal Tea", é o título de uma música do Nirvana que fala
de aborto. Desde a Pré-História, o homem tenta controlar o nascimento, mas o
modo como encaramos o aborto mudou bastante ao longo dos séculos. Não era
punido pela lei na sociedade grega, mas foi muito discutido por filósofos como
peça-chave da pergunta que não quer calar há mais de dois mil anos: quando
começa a vida?
Naquela época, a gravidez só era
confirmada ao primeiro movimento do bebê no útero. Aristóteles dizia que o
aborto para fins de controle populacional deveria ser realizado antes do
surgimento da alma, e que era necessário para evitar o abandono de crianças,
corriqueiro na Grécia.
Abandonar, vender ou matar filhos
inesperados era a solução para controlar o tamanho da família romana. Sorano de
Éfeso, no século II, defendia o aborto em caso de perigo à saúde da mãe, mas
apenas prostitutas e mulheres livres do poder masculino eram independentes para
abortar. Interromper a gravidez sem o consentimento do marido e privá-lo de um
herdeiro era motivo de separação ou até de pena capital (depois do parto, para salvar
o bebê). Os homens se opunham ao aborto porque ele feria o interesse masculino.
No século II, foi criminalizado, punido com o exílio.
O cristianismo, na Idade Média,
mudou alguns aspectos na vida, mas não todos. "As insistentes condenações do aborto e da contracepção por parte do
clero podem indicar a continuação dessas práticas", escreveu o
historiador canadense Angus McLaren em História da Contracepção. A Igreja fez
do sexo um símbolo de moralidade. Mas Santo Agostinho (354-430) não considerava
o aborto um assassinato, e sim uma perversão. Ele sustentava o pensamento
aristotélico do início da vida no 40º dia a partir do primeiro sinal
perceptível do bebê, no caso de meninos, e no 80º, nas meninas.
Esse conceito só seria derrubado no século XIX. A influência da Igreja acaba provocando mudança de foco: não mais o homem e sim o feto devia ser protegido. No século XIII, leis canônicas e civis fortaleceram a distinção entre feto com alma e sem alma, entre um homicídio e um crime menor. Mas, nesse debate entre Igreja e legisladores reais sobre o início da vida, faltava a ciência. A descoberta do óvulo, em 1827, transformou a ideia da concepção: agora, a vida começava na fecundação.
Fonte.
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